A estranha arte de fotografar mortos.
3/29/20254 min read


A ideia de retratar os mortos pode nos causar estranheza na atualidade, mas, antigamente, na Era Vitoriana (1837-1901), esse costume era comum entre as famílias, especialmente nas classes médias e altas. Era uma maneira de homenagear e preservar a memória dos entes queridos que partiam, em uma época em que a mortalidade infantil e as doenças transmissíveis eram alarmantemente altas. Além disso, as expectativas de vida eram baixas, e a morte era uma presença constante no cotidiano das pessoas, o que tornava esse ritual ainda mais significativo.


Em um período marcado por epidemias de difteria, tifo e cólera, que dizimavam populações inteiras, especialmente crianças e idosos, tornou-se tradição fotografar e posar com os mortos, em sua maioria crianças e senhoras vítimas de tuberculose. Nesse contexto, a morte não era apenas uma perda dolorosa, mas também uma oportunidade para a família registrar e eternizar a memória do falecido. As fotografias eram vistas não apenas como uma lembrança, mas como uma forma de garantir que os mortos continuassem a “viver” na memória dos vivos.


Na época, as fotografias eram artigos de luxo, caras e inacessíveis para a maioria da população. Os procedimentos fotográficos eram complexos e demorados, e o acesso à fotografia era restrito a poucos, o que fazia com que a captura de uma imagem fosse um evento raro e significativo. Muitas vezes, as famílias só podiam se permitir fotografar uma pessoa depois de sua morte, considerando a fotografia um último tributo. Para esse retrato final, os mortos eram muitas vezes elegantemente vestidos e posicionados em poses que imitavam a vida, como se ainda estivessem acordados. Alguns fotógrafos, com grande habilidade, usavam suportes para fazer com que os corpos ficassem em pé ou sentados, criando a ilusão de uma pessoa viva.
Essa prática tornou-se especialmente popular a partir da segunda metade do século XIX, quando os processos fotográficos começaram a se tornar um pouco mais acessíveis devido ao desenvolvimento de técnicas como a daguerreotipia e, posteriormente, a ambrotipia, que permitiram uma redução nos custos. O aumento no número de fotógrafos também contribuiu para a popularização dessa tradição. Muitos desses fotógrafos eram especializados em retratar os mortos, e muitos estabelecimentos comerciais ofereciam pacotes de fotografias póstumas, considerando-as um produto valioso para as famílias.


Os retratos de mortos eram uma maneira de afirmar o valor social e emocional do falecido, e muitas vezes eram exibidos em salas de estar ou outros locais da casa como uma espécie de altar doméstico, onde os vivos poderiam "visitar" os mortos, mantendo uma conexão emocional com eles. Em alguns casos, as fotografias eram emolduradas com ornamentos e colocadas em cofres ou caixas de vidro, criando uma espécie de relicário. Era uma prática profundamente simbólica, que refletia a concepção vitoriana de morte, que não era vista como o fim definitivo, mas como parte de um ciclo de vida maior.
Com o avanço da medicina e a redução gradual da mortalidade causada por epidemias, esses retratos começaram a ser menos procurados. Além disso, o aumento das inovações tecnológicas na fotografia, como as câmeras mais acessíveis e as primeiras máquinas fotográficas instantâneas, levou as pessoas a registrar suas imagens enquanto ainda estavam vivas, o que extinguiu, pouco a pouco, a prática de fotografar os mortos.


A chegada de câmeras portáteis e, mais tarde, as câmeras de filme baratas, tornaram a fotografia algo acessível a uma parcela muito maior da população. Em vez de esperar pela morte para registrar a imagem de um ente querido, agora as famílias podiam tirar fotos em momentos felizes e significativos da vida cotidiana. Isso foi, sem dúvida, um reflexo das mudanças na forma como as pessoas passaram a enxergar a vida e a morte, com um foco crescente na celebração da vida em si, ao invés de apenas em sua memória após o falecimento.
Hoje, a prática de fotografar os mortos na Era Vitoriana permanece como um vestígio de uma época onde a morte era uma parte mais visível e integradora da experiência humana, mas também nos lembra das profundas mudanças culturais e tecnológicas que moldaram nossa maneira de lidar com a morte e preservar as memórias dos que partem.








